21/02/2014

"Para a garota mais especial que já conheci"


 O sinal havia fechado. Repassava mentalmente tudo o que precisava fazer naquela quarta-feira. Farmácia, dentista, não comer doces, pagar o aluguel. Farmácia, dentista, não comer doces, pagar o aluguel.
 Enquanto repetia minha lista de afazeres e ouvia o refrão de Photograph percebi que alguém olhava para mim. Era o cara da moto ao lado, e este cara era Ben.
- Inês!
- Oi Ben! Está indo trabalhar?
- Não, hoje é meu dia de folga.
- Acho que é a primeira vez que te vejo acordado às sete da manhã por livre e espontânea vontade. Você está se sentindo bem? – perguntei ironicamente.
- Melhor, impossível!
- Seu entusiasmo matinal é invejável.
- E seu grau de mau- humor é único. Diria até que te deixa mais sexy. – ele sorriu. – Está indo pra onde?
- Pra livraria, e você?
- Para o mesmo lugar que você.
 O sinal abriu. Voltei a pedalar e a ouvir Nickelback, mas logo desliguei o som. Precisava digerir a informação: Ben pisaria em uma livraria.
 Ele já havia estacionando a moto e estava encostado nela quando cheguei. Abri a loja e entramos. Ben era o primeiro cliente do dia.
- Ben, os livros de física ficam na terceira estante à direita. – disse, apontando para eles.
- Tudo bem, mas eu não estou procurando livros de física.
- Não veio comprar livros para a faculdade? – perguntei espantada. Comprar o livro por obrigação foi o único motivo que consegui imaginar, para explicar a ida de Ben a uma livraria.
- Não.
- Okay, Sr. Mistério. Em que posso ajudá-lo?
- Quero comprar um livro... para uma pessoa.
- Hum... Namorada intelectual Ben? Está evoluindo.
- Ela não é minha namorada. É só... alguém muito especial.
 Senti uma pontada no peito. Ben estava apaixonado por alguém capaz de fazê-lo acordar às seis da manhã no seu dia de folga para fazer plantão na porta de uma livraria. Embora estivesse em cacos por dentro, não deixei transparecer. Fui fria. Este era meu principal escudo.
- Qual livro você me indica? – perguntou ele.
- Eu? Ah... Vamos ver... Do que ela gosta? Poesia, suspense, biografias? Literatura brasileira, estrangeira?
- Não faço ideia. Que tipo de livro a maioria das mulheres costumam comprar?
- Sem dúvida os de amor!
- Então é um desses que eu vou levar!
- Está falando com a pessoa certa! Histórias de amor são minha especialidade. – disse, enquanto o conduzia para a estante adequada. – Essa é minha parte favorita da livraria. Sempre que tenho um tempo livre fico por aqui lendo. Já li todos.
- Todos?
 Passei o olho na prateleira para me certificar, e não. Faltava um.
- Não, quase todos. Falta este! – respondi, enquanto pegava o livro na estante. – É bastante procurado.
- “Um dia”! Será que é bom?
- Pelo que ouvi dizer a história parece triste, porém linda! Leva, ela vai gostar!
 Por alguns segundos Ben quedou-se pensativo, olhando fixamente em meus olhos, me deixando um tanto quanto desconcertada, confesso.
- Vou confiar em você. Vou levar!
 Fomos até o caixa. Enquanto eu concluía a compra Ben tirou uma caneta do bolso e arrancou um post-it do bloquinho amarelo que ficava em cima do balcão.
- Aqui está! – falei, enquanto o entregava sua aquisição.
 Ben retirou o livro da sacola e grudou bem no centro da capa a folhinha amarela que trazia os dizeres: “Para a garota mais especial que já conheci”.
- Ela é uma menina de sorte! – comentei após ler o que estava escrito no papel.
- Você acha?
- Acho.
- Espero que ela pense feito você.
 Ai meu Deus! Como não ia pensar? Ela era um príncipe!
- Tchau Inês!
 Apenas acenei de volta. Com os olhos marejados e o coração partido em mil pedaços.
 Naquela tarde me entupi de chocolate. Sempre fazia isso quando ficava ansiosa demais, preocupada demais, ou triste demais. Neste caso a terceira opção prevalecia. Já havia descumprindo o terceiro item da minha lista de tarefas. Também não fui ao dentista, nem à farmácia, descumprindo o primeiro e segundo também – não necessariamente nessa mesma ordem. E por pouco não me esqueço do aluguel, se não fosse o cobrador está parado na minha porta quando eu cheguei em casa.
 Cerca de oito e meia da noite a campanhia tocou. Olhei pelo olho mágico. Era Ben.
- Ben!?

 Sem dizer uma só palavra ele me entregou um livro. Era o livro. E no centro da capa a folhinha amarela carregava os dizeres: “Para a garota mais especial que já conheci”. Essa garota era eu.




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