O sinal havia fechado. Repassava mentalmente
tudo o que precisava fazer naquela quarta-feira. Farmácia, dentista, não comer
doces, pagar o aluguel. Farmácia, dentista, não comer doces, pagar o aluguel.
Enquanto repetia minha lista de afazeres e
ouvia o refrão de Photograph percebi
que alguém olhava para mim. Era o cara da moto ao lado, e este cara era Ben.
- Inês!
- Oi Ben! Está indo trabalhar?
- Não, hoje é meu dia de
folga.
- Acho que é a primeira vez
que te vejo acordado às sete da manhã por livre e espontânea vontade. Você está
se sentindo bem? – perguntei ironicamente.
- Melhor, impossível!
- Seu entusiasmo matinal é
invejável.
- E seu grau de mau- humor é
único. Diria até que te deixa mais sexy.
– ele sorriu. – Está indo pra onde?
- Pra livraria, e você?
- Para o mesmo lugar que
você.
O sinal abriu. Voltei a pedalar e a ouvir Nickelback, mas logo desliguei o som.
Precisava digerir a informação: Ben pisaria em uma livraria.
Ele já havia estacionando a moto e estava
encostado nela quando cheguei. Abri a loja e entramos. Ben era o primeiro
cliente do dia.
- Ben, os livros de física
ficam na terceira estante à direita. – disse, apontando para eles.
- Tudo bem, mas eu não estou
procurando livros de física.
- Não veio comprar livros
para a faculdade? – perguntei espantada. Comprar o livro por obrigação foi o
único motivo que consegui imaginar, para explicar a ida de Ben a uma livraria.
- Não.
- Okay, Sr. Mistério. Em que posso ajudá-lo?
- Quero comprar um livro...
para uma pessoa.
- Hum... Namorada
intelectual Ben? Está evoluindo.
- Ela não é minha namorada.
É só... alguém muito especial.
Senti uma pontada no peito. Ben estava
apaixonado por alguém capaz de fazê-lo acordar às seis da manhã no seu dia de
folga para fazer plantão na porta de uma livraria. Embora estivesse em cacos
por dentro, não deixei transparecer. Fui fria. Este era meu principal escudo.
- Qual livro você me indica?
– perguntou ele.
- Eu? Ah... Vamos ver... Do
que ela gosta? Poesia, suspense, biografias? Literatura brasileira,
estrangeira?
- Não faço ideia. Que tipo
de livro a maioria das mulheres costumam comprar?
- Sem dúvida os de amor!
- Então é um desses que eu
vou levar!
- Está falando com a pessoa
certa! Histórias de amor são minha especialidade. – disse, enquanto o conduzia
para a estante adequada. – Essa é minha parte favorita da livraria. Sempre que
tenho um tempo livre fico por aqui lendo. Já li todos.
- Todos?
Passei o olho na prateleira para me
certificar, e não. Faltava um.
- Não, quase todos. Falta
este! – respondi, enquanto pegava o livro na estante. – É bastante procurado.
- “Um dia”! Será que é bom?
- Pelo que ouvi dizer a
história parece triste, porém linda! Leva, ela vai gostar!
Por alguns segundos Ben quedou-se pensativo,
olhando fixamente em meus olhos, me deixando um tanto quanto desconcertada,
confesso.
- Vou confiar em você. Vou
levar!
Fomos até o caixa. Enquanto eu concluía a
compra Ben tirou uma caneta do bolso e arrancou um post-it do bloquinho amarelo
que ficava em cima do balcão.
- Aqui está! – falei,
enquanto o entregava sua aquisição.
Ben retirou o livro da sacola e grudou bem no
centro da capa a folhinha amarela que trazia os dizeres: “Para a garota mais
especial que já conheci”.
- Ela é uma menina de sorte!
– comentei após ler o que estava escrito no papel.
- Você acha?
- Acho.
- Espero que ela pense feito
você.
Ai meu Deus! Como não ia pensar? Ela era um
príncipe!
- Tchau Inês!
Apenas acenei de volta. Com os olhos marejados
e o coração partido em mil pedaços.
Naquela tarde me entupi de chocolate. Sempre
fazia isso quando ficava ansiosa demais, preocupada demais, ou triste demais.
Neste caso a terceira opção prevalecia. Já havia descumprindo o terceiro item
da minha lista de tarefas. Também não fui ao dentista, nem à farmácia,
descumprindo o primeiro e segundo também – não necessariamente nessa mesma
ordem. E por pouco não me esqueço do aluguel, se não fosse o cobrador está
parado na minha porta quando eu cheguei em casa.
Cerca de oito e meia da noite a campanhia
tocou. Olhei pelo olho mágico. Era Ben.
- Ben!?
Sem dizer uma só palavra ele me entregou um
livro. Era o livro. E no centro da capa a folhinha amarela carregava os
dizeres: “Para a garota mais especial que já conheci”. Essa garota era eu.
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