21/02/2013

O cara do andar de baixo - parte 2



 Zapeei a TV mais de sete vezes. Nada de interessante. Olhei para a estante, buscando um refúgio, mas já havia lido todos os livros. Fui até a cozinha e abri a geladeira - mais para pensar do que para comer - mas ela estava totalmente vazia, assim como eu me sentia. Não tinha nada para fazer, para ler ou comer. Pensei em ligar para a minha terapeuta, mas era tarde demais para um sessão de análise. Era sábado à noite! Precisa sair (para qualquer lugar), fugir daquele tédio que rondava meu fim de semana.
 Vesti-me de alguém que não era eu e saí. Nunca gostei de balada (nem de música eletrônica, nem de pessoas bêbadas, nem de nada parecido com isso), mas quando dei por mim, era lá que eu estava, para viver uma noite que nunca havia vivido.
 Pela primeira vez pus uma gota de álcool na boca. Era algo que não fazia ideia de como se chamava, mas de fato, era horrível. Mesmo assim, depois daquele gole vieram mais três garrafas. Também fumei pela primeira vez. Não lembro de ter feito isso, mas fiz. O gosto do cigarro ainda está em minha boca.
 Quando acordei, minha cabeça latejava! Mais por arrependimento do que pela própria ressaca em si. Tudo girava ao meu redor. Não sabia como havia chegado em casa. Na verdade... Não havia chegado. Eu não estava em meu quarto. Aquele não era o meu apartamento. E eu não tinha ideia de onde estava.


 Levantei e fui até a janela. A paisagem era quase a mesma que eu podia ver pela janela do meu quarto. A farmácia do outro lado da rua, a mercearia da esquina, mais à esquerda, a escola em que eu havia estudado a vida inteira, e bem ao fundo, o letreiro da livraria em que eu trabalhava. Definitivamente estava em meu prédio.

- Acordou?

 Ao ouvir aquela voz familiar, no mesmo instante me virei.

- Tomás?!?!
- Bom dia Inês! Ou melhor... - corrigiu-se ao olhar o relógio em cima do criado mudo. - Boa tarde!
- Que horas são???
- Quase três e meia.
- Minha nossa! Estou atrasda para o trabalho! - falei, dando um pulo da cama.
- Hoje é domingo.

 Voltei a sentar para situar-me.

- Tomas, como-eu-vim-para-na-sua-cama?
- Você não lembra de nada?
- Lembrar de quê???

 Tomás riu.

- Fica tranquila, não aconteceu nada. Eu dormi na sala.
- Ufa!
- Trouxe isso para você. Deve está morrendo de fome.

 Ainda não tinha reparado, mas Tomás havia deixado em cima da cama uma bandeja com café, panquecas, geleia e uma tijela de salada de frutas.

- Como eu vim parar na sua casa? - perguntei, enquanto beliscava a panqueca.
- Hoje cedo quando saía para correr, te encontrei sentada na portaria, totalmente desnorteada. Perguntei se você queria que eu te acompanhasse até o seu apartamento, mas você estava tão louca que não conseguiu responder. Tentei achar suas chaves, mas elas não estavam na sua bolsa.

 Na mesma hora corri até minha bolsa e a revirei em cima da cama.

- Droga! Meu celular também não está aqui. Não acredito que fui assaltada!
- Quer tomar um banho?
- Você me empresta uma blusa?

 Bagunçando o meu cabelo, ele respondeu:

- É só pegar.

 Ao sair do banheiro, Tomás estava na sala.

- Se sente melhor?
- Acho que sim. Vou descer e ver se arranjo algum chaveiro.

 Tomás olhou para baixo, tentando esconder sua expressão. Sabia que havia sido descoberto.

- Ei! Você também pensou nisso não pensou? É claro que pensou!

 Tomás se levantou do sofá e veio até mim. Acariciando o meu cabelo, respondeu:

- Foi a primeira coisa que pensei em fazer.
- Cretino! - exclamei, me afastando.

 Ele gargalhou.

- É assim que você me agradece por toda a hospedagem?
- Eu não sei onde você vê tanta graça.
- Inês... - ele se aproximou ainda mais. - Lembra quando você disse que eu te observava há algum tempo?
- E você negou.
- Você estava certa.
- Estava? Mas...
- Você não deve lembrar. Com certeza não lembra... No dia em que eu vim fechar a compra do apartamento esbarrei em você na portaria. Desde então não parei de pensar em você. O antigo proprietário foi quem me disse que você morava no apartamento de cima. E... Bom, naquele dia em que interditaram os elevadores foi a oportunidade perfeita para eu me aproximar de você.
- Eu... - vi em seu olhos expectativa. - Eu acho melhor eu ir, Tomás!

 Abri a porta e fui em direção ao elevador.

- Espera Inês! - olhei para ele. - Tem certeza que está bem?
- Eu vou ficar... Mas obrigada por tudo, viu?
- Não precisa agradecer...

 O elevador chegou. Tomás abriu a porta e eu entrei.

- Tchau Tomás.
- Tchau Inês.

 E a porta se fechou.



4 comentários:

  1. Ual, muito bom! Gostei mesmo *-*
    fazdecontatxt.blogspot.com.br

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  2. Nossa... Quero continuação. Na hora que pensei que fosse rolar alguma coisa a história acaba... Quando tem mais?
    Beijos
    Luíza
    http://cademeuchapeu.com

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  3. Fico muito feliz que tenham gostado *-*
    A continuação vem em breve. Fiquem de olho no blog! ;)

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  4. haaaaa fiquei ansiosa HAHA" já quero a continuação ;*

    http://loorenacriis.blogspot.com.br/

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